Anilhas Falsas a Dor de Cabeça a Criadores de Pássaros

🐦 Anilhas falsas: o elo frágil que fortalece o tráfico e pune o criador honesto no Brasil

Enquanto criadores legais seguem à risca prazos, normas e a burocracia do sistema, o submundo da criação irregular cresce em ritmo acelerado. Por trás das gaiolas e viveiros legalizados, existe uma realidade cruel: milhares de anilhas falsificadas são anunciadas nas redes sociais como Facebook, Instagram e Telegram, os anúncios circulam livremente pelo país, todos os dias — um reflexo claro da omissão e desorganização do poder público.

Hoje, mais de 441 mil criadores estão cadastrados no SISPASS, o sistema federal que gerencia a criação amadora de aves silvestres. Mas o número que assusta está no verso dessa estatística: 204 mil desses criadores estão suspensos, e em 80% dos casos o motivo é o uso de anilhas irregulares.

Como esse problema começa?

Na prática, tudo se inicia com situações corriqueiras: uma ave foge, morre ou deixa de procriar. Pela regra, o criador deve dar baixa da anilha no sistema. Mas muitos optam por não seguir o protocolo. A anilha continua ativa e é usada em outro pássaro — ou pior, vendida.

Há também os que não registram o desaparecimento e nem comunicam a ocorrência às autoridades, como manda a lei. É aí que surgem os atravessadores, falsificadores e criminosos de toda sorte, que vendem anilhas falsas por até R$ 200,00, enquanto uma anilha oficial custa cerca de R$ 30,00.

Essas anilhas fraudulentas são aplicadas em aves sem origem legal, que depois são revendidas como se tivessem nascido em criatórios regularizados. O novo criador, muitas vezes de boa-fé, sequer sabe da fraude. E quando a fiscalização chega, é ele quem sofre as consequências: multas que variam de R$ 500 a R$ 5.000, e em casos mais graves, processos civis, penais e administrativos, com base na Lei nº 9.605/98, artigo 29.

Resultado?

Gente séria, que sempre fez tudo certo, acaba excluída do sistema. E pior: empurrada para a ilegalidade ou forçada a desistir da criação.

O Estado que pune, mas não protege

Boa parte dessa crise tem nome e sobrenome: desorganização institucional.

Desde que entrou em vigor a Lei Complementar 140/2011, que deveria dividir claramente as responsabilidades entre a União e os Estados, criou-se um ambiente de disputa. IBAMA de um lado, secretarias estaduais de meio ambiente de outro, e no meio, o criador — refém de interpretações diferentes para as mesmas regras. Já houve até decisões judiciais anulando multas aplicadas pelo próprio IBAMA, tamanha a confusão jurídica.

Enquanto os órgãos públicos discutem entre si, o sistema continua vulnerável — e o tráfico se fortalece.

Uma legislação que existe, mas ninguém cumpre

Em 2018, o CONAMA publicou duas resoluções fundamentais para melhorar o controle sobre as aves legalizadas no Brasil:

  • A Resolução 487 determina critérios técnicos para gravação, bitola e identificação nas anilhas;
  • A Resolução 489 exige a genotipagem das aves nascidas em cativeiro — ou seja, um teste de DNA para comprovar quem são os pais do filhote.

Essas duas medidas, se fossem colocadas em prática, eliminariam quase todas as brechas para a falsificação. Com o DNA em mãos, não bastaria apenas ter uma anilha no pé da ave: seria preciso provar que aquele pássaro realmente nasceu ali.

Mas até hoje, nada foi feito. Nenhum órgão ambiental tornou essa exigência obrigatória. Nem fiscalização, nem punição, nem cobrança real. Apenas mais um conjunto de regras esquecidas nas gavetas do poder público.

O monopólio silencioso das anilhas

Desde 2012, apenas uma única empresa é autorizada a fabricar e vender anilhas para o SISPASS. Em 2016, ela chegou a perder a licitação por não atender aos critérios técnicos exigidos pelo IBAMA. O resultado? Milhares de criadores ficaram sem anilhas e, consequentemente, sem poder reproduzir suas aves.

A empresa então acionou a Justiça, conseguiu uma nova licitação e voltou ao posto de fornecedora oficial. E em 2018, uma nova regra reforçou ainda mais esse monopólio: passou a ser exigido que qualquer empresa interessada em fornecer anilhas tivesse um sistema de gravação com marca d’água digital — uma suposta medida antifraude.

A justificativa está no art. 296 do Código Penal, que trata da falsificação de selos, sinais públicos e símbolos de órgãos oficiais. O trecho mais usado nesse contexto é o seguinte:

Art. 296 – Falsificar, fabricando ou alterando:

I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, Estado ou Município;

II – sinal atribuído por lei a entidade pública ou autoridade;

Pena: reclusão de 2 a 6 anos, e multa.

Mas a pergunta permanece: se o sistema é tão seguro, por que tantas anilhas falsas continuam circulando?

Existe solução. E ela é simples.

A solução está ao alcance das mãos: exigir que toda transferência de ave seja acompanhada de exame genético. O DNA confirmaria a identidade da ave e validaria a transferência. Nada de reuso de anilha, nada de falsificação. Com isso, separaríamos quem cumpre as regras de quem quer apenas burlar o sistema.

Essa medida também abriria espaço para novas empresas produzirem anilhas, quebrando o monopólio e reduzindo o custo para o criador.

Um exemplo que funciona: Anilhas Colibris

Hoje, a empresa Anilhas Colibris já atua legalmente no mercado, vendendo anilhas para criadouros comerciais — aqueles que criam para venda, com emissão de nota fiscal.

A Colibris fornece a mesma anilha de aço temperado, com excelente padrão de segurança, por R$ 9,90. Enquanto isso, o criador amador, obrigado a comprar da única empresa autorizada no SISPASS, paga mais de R$ 30,00 por peça.

Essa disparidade no preço, somada à falta de concorrência, é um dos fatores que incentivam o mercado clandestino.

Quem lucra com esse caos?

O criador legal quer previsibilidade, segurança e respeito. O que ele recebe em troca é desinformação, burocracia e perseguição. O tráfico, por outro lado, agradece: lucra com a desorganização e navega livremente nas brechas deixadas pelo sistema.

Enquanto os órgãos públicos continuam apenas multando, sem buscar soluções concretas, o cenário só piora.

✊ Está na hora de virar esse jogo

O Brasil precisa urgentemente:

  • Cumprir e aplicar as resoluções 487 e 489 de 2018;
  • Tornar a genotipagem obrigatória em todas as transferências;
  • Permitir a entrada de novas empresas no mercado de anilhas;
  • E, acima de tudo, parar de tratar o criador legal como criminoso.

A ameaça real à fauna brasileira não está nas casas dos criadores regularizados, mas na ausência de controle, na impunidade e na conivência com a desordem.

Criador legal não é criminoso. Criminoso é quem lucra com a desorganização e se esconde atrás da omissão institucional.

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